Emma Thompus







Capítulo 1

Janeiro de 2013

Enquanto relembra das atividades programadas para o dia, os olhos de Adam observavam o redemoinho da espuma do sabão que se formam no ralo do banheiro. A água que percorria o seu corpo aliviava o calor do verão intenso e o preparava para a primeira parte do dia. Seria um dia cheio para ele, certamente. Ao contrário do que parecia há alguns meses, estava feliz e conseguia dar conta dos seus compromissos sem se sentir destruído no final do dia. Ele havia encontrado a paz que procurava há muito. No entanto, apenas um de seus compromissos desse dia poderia perturbar o seu equilíbrio: o encontro com ela, Emma Thompus.

Emma, ao contrário, sentia o peso da angústia. Ela acordara com um imenso vazio no espírito, que se materializava em um fardo de culpa e de infelicidade. Parece que, um ano depois, ela se dera conta do que ocorreu na sua vida e o que fizestes a Adam Birdway. Seu consciente tentava minimizar a culpa com um possível pedido de desculpas aceito por ele. Imaginava poder resolver tudo se ele desse uma nova chance para que recomeçassem do zero. Seria possível recomeçar e esquecer o passado? Como Adam poderia esquecer as próprias marcas no seu corpo e espírito?
Eles se conheceram há dois anos quando ainda eram estudantes, no final do curso de Arquitetura, em um evento anual que acontece na terceira segunda-feira de janeiro. Eles eram voluntários e abraçaram um projeto social por ambos terem afinidade com sustentabilidade e responsabilidade coletiva. Dando voltas nos stands instalados na praça, Adam avistou Emma. De início nada nela chamou a sua atenção. Uma garota de estatura média, cabelos médios e modelados pelo vento. Mas foi quando Emma se aproximou e lhe perguntou se ele também era voluntário, que o sentimento e o vínculo se intensificaram.

Adam se vestiu e saiu. Do outro lado da cidade, Emma parou por alguns instantes para conversar com a vizinha que tentava a convencer de que ela deve comprar seus cosméticos. “Invista na sua aparência”, insistia.

Um ano depois, o relógio marcava 13:17, quando Adam se aproximou da mesma praça no Centro da cidade. Parecia seguro e recuperado. Depois de sessões de tortura e destruição de sua autoestima pela intensa rejeição de Emma, parecia ter encontrado o caminho para ser feliz outra vez, longe de todo sentimento opressor. Após as experiências ao lado dela, Adam tinha a certeza de que, embora a ame, precisa haver equilíbrio entre os sentimentos e responsabilidades, só assim poderiam dar certo.

Emma sempre o esnobara, diminuía as suas conquistas por não se sentir tão segura quanto ele. O equilíbrio de Adam revelava algo que ela não tinha. Adam, contudo, sentia o mais intenso e verdadeiro amor. Por tamanha intensidade, o jovem não percebia que dava muito mais do que recebia e por isso não notou o quão distante estava de si nesses meses amando.

Durante o ano que passou escutou inúmeras vezes “mas é tu!” e carregou o fardo de sentir algo que precisava ser eliminado a todo custo. Sem compreender, ela achava tudo exagero. "Isso é estúpido, como pode dizer me amar, se nem nos beijamos ainda, se nem trocamos momentos mais íntimos?" – dizia Emma Thompus, enfurecida com tais sentimentos. Emma e Adam nunca se entenderam com relação aos sentimentos um do outro, por isso se pegavam em conversas intermináveis sobre a relação que não engatava, mas que, por força do trabalho, precisava continuar.

A visão dela de amor o magoava seguidas vezes. Os encontros com outros rapazes, presentes e afagos pouco valorizados também. Adam se mantinha cego e esperançoso o tempo inteiro. Ele estava pronto para perdoar, porque imaginou que o que sentia, esse tal amor puro, valeria a pena ser vivido e tudo poderia ser apenas só um dos momentos. “Emma mudará comigo, esta é uma fase muito pequena perto do tempo e sentimento que teremos juntos” – pensava, enquanto mantinha nas costas o “Mas é tu!” latejando em seu espírito.

Uma mão pousa no ombro de Adam. Imediatamente há um filme rodando em sua cabeça. Seria Emma? Depois de meses sem a ver o encontro estaria começando agora? De surpresa, no susto, quase como alguém que deixou a braguilha aberta e não notou? Adam se preparou rapidamente em meio a esse devaneio e se virou com prudência e segurança, mas era um vendedor de ovos de codorna que lhe pedia informações de como chegar à feira no Centro. Alarme falso. Relaxou em seus sentimentos outra vez. Enquanto orientava o vendedor, Emma apareceu. Vestia a mesma roupa do ano anterior. Era esse o truque dela para conquistá-lo outra vez? Ingenuidade temporal.

À medida que o vendedor se distanciava, os semblantes se aproximavam. Os olhos dela demonstravam arrependimento, insegurança e medo. Os dele, segurança, liberdade e infinidade. A mesma infinidade que Emma um dia emulou e depois se arrependeu, porque havia tantos outros em sua vida. “Precisamos de tempo e espaço, já não podemos viver como antes”, dizia Emma. Adam a cumprimentou sem tocar em qualquer parte do seu corpo. Emma, ao sentir o clima amorfo, se viu em súbito desconforto.

Antes que Adam pudesse perguntar o porquê desse encontro, ela agiu de forma instintiva. Seus olhos de profundo vazio e culpa a guiou ao encontro dos lábios dele. Beijou-lhe na boca por alguns segundos. O beijo que demorou um ano para acontecer estava se materializando. Será que foi como o jovem imaginou? Um universo de sentimentos passou na cabeça dela por alguns instantes, milésimos segundos. Era intenso, ela queria livrar-se da culpa e viver o amor que Adam a oferecera. Tudo pareceu bem. Ele, ao contrário, sentia-se incomodado e antes do beijo se tornar uma experiência capaz de gerar sensações e sentimentos a interrompeu.

“– Por que você fez isso?” – perguntou.

Desapontada com a interrupção e questionamento de Adam, Emma olhou para ele por alguns instantes, mas não soube o quê responder. Seu sorriso e paz dissolveram-se em lágrimas que não caíram ali. “Era tarde”, pensou. Ela estava se dando conta de que era tarde. O beijo que demorou tanto para acontecer não substituiu as sensações e experiências frustradas dele, durante todo o tempo em que conviveram juntos. Um só beijo não resolveria as sessões de “Mas é tu!” e tantas outras rejeições. Ele estava magoado e sua autoestima havia desaparecido. Como ela poderia achar que seria tão fácil? Desapontada com tudo, Emma se despediu sem dizer uma única palavra. Em silêncio e sem proximidade, se afastaram.

Adam continuou a seguir com a programação diária, já que havia tantas coisas a serem feitas e energia de sobra para fazê-las. Emma agora procurava formas de diminuir o sofrimento que causou. “Um dia tudo estará equilibrado outra vez?” se perguntava, enquanto procurava pelos presentes e lembranças de Adam. Ela não achou o mais simples e simbólico de todos, o que ele fez com suas próprias mãos e sentimentos. Teria perdido? Adam se perguntava se algum dia esse equilíbrio existiu, se só existia ele na relação dos dois. "Mas é tu!". Emma Thompus existia ou era um delírio de Adam Birdway, diante do vazio em não ter sido correspondido por uma mulher que acreditou amar?

ADAM E EMMA: UMA HISTÓRIA DE (DES)ENCONTROS

Capítulo 7: O luto severo
Capítulo 8: Stalker
Capítulo 9: Despedidas
Capítulo 10: Casualidades
Capítulo 11: Cada segundo é inesperado
Especial: Uma carta para os desencontros
Capítulo 12: Segure firme



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